Por Admarino Júnior
Olá a todos, Continuando os relatos sobre a comunidade de remanescente de quilombos (São José da Povoação), tratarei de alguns aspectos históricos e sociais, nos quais esses afro-descendentes da comunidade em observação são os personagens principais através de narrativas, lendas ou histórias contadas de geração em geração.
DOIS JOVENS E UM DESTINO
Contam os moradores mais antigos que na vila São José da Povoação existia um casal que se amava muito, mas seu amor era proibido pelo fato de o rapaz ser negro e a moça branca. Os pais da moça não aceitavam o romance, apesar de não existir mais a escravidão e o rapaz já ser um homem livre. A moça pertencia a uma família de descendência portuguesa e os mais antigos não aceitavam que uma menina branca e prendada se apaixonasse por um negro analfabeto. Foi então que os dois resolveram fugir para viverem juntos. Saíram de canoa numa noite chuvosa com destino à cidade de Breves, que fica bem próxima à comunidade, mas eles se perderam na noite, pois estava muito escura e a Baía estava furiosa.
Quando os pais da moça ficaram sabendo do fato, reuniram outros homens da fazenda e foram atrás deles. Era madrugada e os dois jovens já estavam desesperados, pois viram que estavam totalmente perdidos, mas não demorou muito para serem encontrados. Os pais dela mais os trabalhadores que estavam à procura, acharam os dois jovens em um barranco, abrigados nas raízes e galhos de uma árvore na beira do rio.
No dia seguinte foi marcada audiência na frente dos pais, do juiz e do delegado na cidade, para saber como ia ficar a situação deles. Foi quando a moça disse que desistiria do rapaz, mas só se não conseguisse provar para todos que poderiam viver juntos, e que as cores “branca e preta” não precisassem uma da outra. Os pais disseram que era besteira que o branco não precisava do preto, mas mesmo assim aceitaram a condição da moça, pois estavam convictos que ela nunca ia conseguir provar nada. Quando chegou a hora da audiência ela levou consigo um pedaço de giz e outro de carvão, deram para ela a palavra, e ela disse novamente que só não casaria com ele se o preto não precisasse do branco e vice e versa. A moça pegou um pedaço de papel branco e riscou com o carvão e apareceu o preto no branco; depois riscou com o giz no papel e não apareceu nada. Assim ela conseguiu provar que as cores eram dependentes uma da outra.
O juiz ficou muito aborrecido com a perda de tempo e entregou o problema para ser resolvido pelo delegado da cidade. O delegado falou que o amor dos dois jovens era muito forte e que não tinha nenhum crime para prender o rapaz e nem porque separá-los. Os pais ainda tentaram dizer que o rapaz havia roubado a moça e enfeitiçado ela com alguma mandinga, mas a moça que já era maior e ainda dependia da família, desmentiu tudo o que os pais falavam. Como a filha tinha feito uma espécie de “aposta” com os pais e estes não tendo outra saída resolveram voltar para a comunidade e aceitar a sua derrota. A filha surpreendeu seus pais que foram forçados a mudar de opinião em relação ao romance e decidiram casar os dois. Contam os mais antigos que depois do casamento a família foi embora da povoação e a moça permaneceu no povoado ao lado do seu marido.
INTERPRETAÇÃO E SIGNIFICADO DA NARRATIVA
“Dois jovens e um destino” é uma história que conta a vida de um casal que se ama, porém os dois jovens esbarram no preconceito da família da moça, pelo fato do rapaz ser negro, analfabeto e pobre. Os dois tentam fugir para viver sua história de amor, mas são perseguidos pelos que representam a sociedade: a família, a comunidade e a lei. Essa lenda nos mostra aspectos da real situação dos negros, pois apesar da narrativa ter quase dois séculos, muitas pessoas acabam tornando-se preconceituosas e racistas com os mais pobres e com os afro-descendentes.
Em nossa sociedade algumas práticas que parecem “ingênuas” e sem intenção ofensiva acabam por se caracterizarem como racistas: achar que toda pessoa negra é inferior; achar que toda pessoa negra é feia, pouco inteligente; contar piadas humilhantes sobre negros e achar que não é prejudicial; achar que os negros vão praticar alguma violência, roubar, matar, ensinar vícios e coisas ruins para outras pessoas; não querer que uma pessoa de sua família namore, dance ou case com negros; proferir apelidos humilhantes e pejorativos aos negros - esses são algumas formas de racismo. Alguns desses estigmas aparecem na narrativa e são desmentidos pela esperteza da jovem mostrando que é possível viver todos em condições harmoniosas e de igualdade.
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Obs: Todas as informações, fotos, relatos colocados neste blog tem plena autorização e concenso
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