sexta-feira, 20 de março de 2009

Ser Historiador

“Amo a História. Por isso sou historiador” [1]. Marc Bloch em Apologia da História ou Ofício do historiador já afirmava a fórmula/sentimento central que envolve este ofício. Ser historiador, um Bom historiador, requer atributos indispensáveis para a construção do conhecimento histórico: dedicação, paciência, erudição, curiosidade, disciplina, entre outros. Para isso tornamo-nos, por diversas vezes, caçadores, navegantes, detetives, e iniciamos nossas buscas e análises inferindo nas re(a)presentações simbólicas construídas por agentes históricos em suas realidades.

Todo ofício tem sua matéria prima, e por mais que o historiador tenha ampliado seu leque de extração com a História oral, com a cultura material, e outras formas de se fazer História – o que é de extrema importância para tal disciplina – o documento escrito ainda persiste como uma das fontes mais utilizadas nas pesquisas históricas, parecendo até haver um fetiche por parte do pesquisador/historiador.

Ao possuirmos contato com documentos do século XIX e XX, em visita ao Centro de Memória da Amazônia, podemos transpor nossa experiência bibliográfica. É um contato fundamental na vida de um graduando haja vista que aqueles documentos podem vir a ser seu principal instrumento de trabalho, e também pelo aprendizado incrível que é dialogar com documentos que nos levam a uma Belém cheia de processos, brigas, capoeiragem, raptos. Tais documentos tornam-se filmes em nossas mentes que se não fosse pela crítica aos documentos, tornar-se-iam realidades verídicas.

Durante o século XIX principalmente, a partir dos fins deste, com a escola histórica Positivista o documento fora tratado como representação única da verdade e o papel do historiador, de acordo com Jacques Le Goff em História e Memória, fora simplesmente “... tirar os dados dos documentos tudo o que eles contêm e em não lhes acrescentar nada do que eles não contêm. O melhor historiador é aquele que se mantém o mais próximo possível dos textos.” (p.536).

Com a revolução na historiografia proporcionada pela Ecolé dos Annales a relação documento/historiador vem ser modificada. Com a crítica aos documentos a produção historiográfica toma outro rumo. Para Le Goff, os fundadores dos Annales foram responsáveis por uma ampliação da noção de documento.

O documento é resultado de uma montagem, de uma escolha, de uma tentativa das sociedades históricas em se perpetuarem, suas representações, eles são uma construção humana que procuram a manifestação e representação de seus universos simbólicos. É condição sine qua non no trabalho do historiador percebemos que todo arquivo do passado é repleto de intencionalidade.

Sobre a labuta deste profissional e de como ocorre uma pesquisa historiográfica Antonio Otaviano, historiador e professor da Universidade Federal do Pará, no livro intitulado A inquisição e o Sertão alude-nos sobre as desenvolturas que fazem parte do ofício aonde “... cada descoberta, cada minuto dedicado à analise de fontes e cada trabalho lido efetivam uma jornada marcado por começo, desistências e recomeços”. (p.22).

Como um historiador navegante, o prof. Antonio Otaviano fala das dificuldades financeiras em se fazer pesquisas, dificuldades geográficas, metodológicas, impossibilidades, diante das mesmas procurar alternativas, aprofundar estudos a respeito do tema a ser estudado e assim por diante.

Conversar com a documentação é essencial no ofício do historiador, pois é na medida em que se fazem determinadas perguntas à fonte de pesquisa como: “Quem produziu o documento?”, “Qual lugar que ele fora produzido?” e “Por que fora guardado?” entre outras que se constrói uma história crítica.

Ser historiador é reconstruir uma realidade, se envolvendo em fluxos de acontecimentos que são construções realizadas pelos agentes históricos. Concordamos com Durval Muniz A. Júnior sobre a sua posição de não tomar a História de forma dicotômica onde sociedade/sujeito e natureza, subjetividade e objetividade estão em pólos opostos. A História para ter uma abordagem concreta desses “fluxos de acontecimentos” tem que envolver as transformações, mutações, ou para o próprio Durval Muniz tem que ser manter em uma terceira margem, margem das confluências de metodologias e abordagens.

A possibilidade de trabalharmos com fontes vivas, isto é, trabalharmos com indivíduos que de alguma forma fizeram parte do tema pesquisado compõe ofício do historiador. O trabalho com fontes orais, se observamos os critérios mais gerais, é similar àquele realizado com as documentos escritos, pois se todo documento é falso, conforme Le Goff, pois ele não passa de uma construção simbólica de determinada realidade, em uma entrevista, o testemunho também é falso, ou melhor, é uma das várias verdades que podem vir a existir, haja vista que eles também consistem em uma representação de como tais entrevistados viveram tal momento.

Verena Alberti em Fontes Históricas no capítulo Histórias dentro da História procura mostrar passos que devem existir na utilização de fonte oral na pesquisa histórica. A preparação das entrevistas, sua realização e seu tratamento. São itens que devem ser preparados de antemão pelo historiador, pois na hora da realização da entrevista servirá para nortear a pesquisa, estabelecer um método e como trabalhar tais fontes.

Definir o papel do historiador é complexo, pois não é como resolver uma equação. Na História, “2+2=5” pode vir a ser “verdade” dependendo de determinada representação. Portanto, ser historiador é uma profissão que requer uma critica textual e documental a todo o momento, pois nosso papel não é criar maniqueísmos, dizer o que estava certo ou que estava errado, identificar heróis ou vilões é sim tentar compreender a representação dos sujeitos e suas intenções de impor ao futuro imagens de si próprios, cabe-nos ver as “entrelinhas”. Diante de uma tarefa nada simples só podemos afirmar que: Ainda bem que amamos a História, por isso queremo-nos tornar Historiadores.

[1] Ver BLOCH, 2001.

Por Rafael Santos e Leandro Fonseca.

3 comentários:

  1. Particularmente gostei muito deste trabalho, apesar de não ter contribuído muito. Todas as palmas pro Rafael Santos!

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  2. Aplausos a Ecolé dos Annales pela crítica aos documentos e a ampliação da visão do historiador. Está aí um bom texto!

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  3. Gostei muito desta postagem. Relfete nosso ofício.

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