domingo, 21 de novembro de 2010

África de todos nós


Desde 2003, a cultura africana faz parte do currículo. Descubra com seus alunos a riqueza das ciências, das tecnologias e da história dos povos desse continente

Os diversos povos que habitavam o continente africano, muito antes da colonização feita pelos europeus, eram bambambãs em várias áreas: eles dominavam técnicas de agricultura, mineração, ourivesaria e metalurgia; usavam sistemas matemáticos elaboradíssimos para não bagunçar a contabilidade do comércio de mercadorias; e tinham conhecimentos de astronomia e de medicina que serviram de base para a ciência moderna. A biblioteca de Tumbuctu, em Mali, reunia mais de 20 mil livros, que ainda hoje deixariam encabulados muitos pesquisadores de beca que se dedicam aos estudos da cultura negra.

Infelizmente, a imagem que se tem da África e de seus descendentes não é relacionada com produção intelectual nem com tecnologia. Ela descamba para moleques famintos e famílias miseráveis, povos doentes e em guerra ou paisagens de safáris e mulheres de cangas coloridas. "Essas idéias distorcidas desqualificam a cultura negra e acentuam o preconceito, do qual 45% de nossa população é vítima", afirma Glória Moura, coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB).

Negros são parte da nossa identidade

O pouco caso com a cultura africana se reflete na sala de aula. O segundo maior continente do planeta aparece em livros didáticos somente quando o tema é escravidão, deixando capenga a noção de diversidade de nosso povo e minimizando a importância dos afro-descendentes. Por isso, em 2003, entrou em vigor a Lei no 10.639, que tenta corrigir essa dívida, incluindo o ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras nas escolas. "Uma norma não muda a realidade de imediato, mas pode ser um impulso para introduzir em sala de aula um conteúdo rico em conhecimento e em valores", diz Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, membro do Conselho Nacional da Educação e redatora do parecer que acrescentou o tema à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

A cultura africana oferece elementos relacionados a todas as áreas do conhecimento. Para Iolanda de Oliveira, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, se a escola não inclui esses conteúdos no planejamento, cada professor pode colocar um pouco de África em seu plano de ensino: "Não podemos esperar mais para virar essa página na nossa história", enfatiza. Antes de saber como usar elementos da cultura africana em cada disciplina, vamos analisar alguns aspectos da história do continente e os motivos que levaram essas culturas a serem excluídas da sala de aula.

O ensino de História sempre privilegiou as civilizações que viveram em torno do Mar Mediterrâneo. O Egito estava entre elas, mas raramente é relacionado à África, tanto
que, junto com outros países do norte do continente, pertence à chamada África Branca, termo que despreza os povos negros que ali viveram antes das invasões dos persas,
gregos e romanos.

A pequisadora Cileine de Lourenço, professora da Bryant University, de Rhoad Island, nos Estados Unidos, atribui ao pensamento dos colonizadores boa parte da origem do preconceito: "Eles precisavam justificar o tráfico das pessoas e a escravidão nas colônias e para isso ‘animalizaram’ os negros". Ela conta que, no século 16, alguns zoológicos europeus exibiam negros e indígenas em jaulas, colocando na mesma baia indivíduos de grupos inimigos, para que brigassem diante do público. Além disso, a Igreja na época considerava civilizado somente quem era cristão.

Uma das balelas sobre a escravidão é a idéia de que o processo teria sido fácil pela condição de escravos em que muitos africanos viviam em seus reinos. Essa é uma invenção que não passa de bode expiatório: a servidão lá acontecia após conquistas internas ou por dívidas – como em outras civilizações. Mas as pessoas não eram
afastadas de sua terra ou da família nem perdiam a identidade.

Muitas vezes os escravos passavam a fazer parte da família do senhor ou retomavam a liberdade quando a obrigação era quitada com trabalho. Outra mentira é que seriam povos acomodados: os negros escravizados que para cá vieram revoltaram-se contra a chibata, não aceitavam as regras do trabalho nas plantações, fugiam e organizavam quilombos.

A exploração atrapalhou o desenvolvimento

A dominação dos negros pelos europeus se deu basicamente porque a pólvora não era conhecida por aquelas bandas – e porque os africanos recebiam bem os estrangeiros,
tanto que eles nem precisavam armar tocaias: as famílias africanas costumavam ter em casa um quarto para receber os viajantes e com isso muitas vezes davam abrigo ao
inimigo. Durante mais de 300 anos foram acaçambados cerca de 100 milhões de mulheres e homens jovens, retirando do continente boa parte da força de trabalho e rompendo com séculos de cultura e de civilização.

Nesta reportagem, deixamos de lado de propósito a capoeira, embalada pelo berimbau; a culinária, enriquecida com o vatapá, o caruru e outros quitutes; as influências musicais do batuque e a ginga do samba e dos instrumentos como cuícas, atabaques e agogôs. Preferimos mostrar conteúdos ligados às ciências sociais e naturais, à Matemática, à Língua Portuguesa e Estrangeira e a Artes, menos comuns em sala de aula, para você rechear a mochila de conhecimentos dos alunos sobre a África.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/


Lendas e heróis africanos

Palavras de origem africana, literatura e contação de histórias com familiares afro-descendentes

Para mostrar a influência dos falares africanos no Brasil, você pode usar as palavras de origem banta destacadas nesta reportagem, apenas um tiquinho em centenas já incorporadas ao nosso vocabulário.

Yeda Pessoa de Castro, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, sugere ainda que você leve para sala de aula lendas africanas e histórias que tratem de diversidade.

A professora Zuleica Maria Bispo, da Escola Municipal de Educação Básica Antonio Stella Moruzzi, em São Carlos (SP), usa livros como Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado, O Pássaro-da-Chuva, de Kersti Chaplet, e o gibi Zumbi dos Palmares (editado pela secretaria de Educação da cidade) para atividades de leitura e escrita.

Familiares dos alunos afro-descendentes podem ser convidados para contar histórias de sua vida, informações que serão transformadas em texto.


Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A Inquisição na Amazônia


Iniciativa do Centro de Memória da Amazônia democratiza o acesso às fontes documentais inquisitoriais

As novas gerações de historiadores têm reconhecido a importância da internet como uma ferramenta de pesquisa revolucionária. Uma iniciativa liderada pelo Centro de Memória da Amazônia, da Universidade Federal do Pará, revela como é possível explorar de forma inteligente os acervos documentais on-line.

Atualmente, mais do que se preocupar em acrescentar conteúdo, o desafio levantado pela internet consiste em organizar as fontes documentais já disponíveis. A partir dessa perspectiva, uma equipe de pesquisa do Pará, liderada pelo Prof. Antonio Otaviano Vieira Junior, concebeu um projeto exemplar.

Trata-se da disponibilização on-line dos processos inquisitoriais dos séculos XVII e XVIII, referentes ao Maranhão e Grão-Pará. Há alguns anos, tal iniciativa seria dificultada em razão dos elevados custos nela envolvidos e pela necessidade de complexas negociações junto à instituição que tem a custódia da documentação.

No projeto em questão, esses problemas foram superados em razão da própria Torre do Tombo começar a facultar o acesso, em seu portal, aos processos inquisitoriais lusobrasileiros. Nesse site, porém, a ausência de instrumentos de pesquisas – como, por exemplo, inventários analíticos - dificulta que o usuário descubra a potencialidade da documentação em questão.

A equipe do Pará superou essa dificuldade, fornecendo informações detalhadas a respeito de cada um dos processos inquisitoriais referentes à região amazônica. A parceria com a Torre do Tombo permitiu não só uma melhor identificação dos acusados, como também, através de link, a disponibilização dos processos na íntegra.

Ao todo foram identificados 114 processos inquisitoriais, sendo que mais da metade está disponível à leitura. Esse é o caso, por exemplo, da denúncia contra o índio Alexandre, residente na Aldeia de Aricara, nas margens do Rio Amazonas, que, em 1756, foi acusado de bigamia.

O site do Centro de Memória da Amazônia também dá acesso à bibliografia especializada e ao texto original do projeto, submetido à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará. Tomara que grupos de pesquisa de outros estados reproduzam essa iniciativa, democratizando ainda mais o acesso a uma das principais fontes documentais para se conhecer a sociedade brasileira colonial.


Por Renato Venâncio (Profº da universidade Federal de Minas Gerais)

Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/